Repensar o Conselho de Classe é uma necessidade cada vez mais atual


Por Zevaldo Sousa

O Conselho de Classe é, em sua essência, uma prática rica em potencial reflexivo, mas na realidade de muitas escolas brasileiras, ele se resume a um momento técnico e burocrático, voltado quase exclusivamente para a decisão sobre a aprovação ou reprovação dos alunos. No centro dessas decisões, questões cruciais como a aquisição de habilidades essenciais – leitura, escrita, interpretação de texto e lógica matemática – frequentemente ganham um peso determinante.

É inegável que aprovar um estudante que ainda não domina essas competências básicas é uma escolha delicada e, muitas vezes, contraditória. Por outro lado, reprová-lo sem que haja estratégias claras para suprir suas lacunas pedagógicas também não resolve o problema, apenas o adia.

A realidade da prática do Conselho de Classe

No formato atual, o Conselho de Classe é realizado com a presença restrita da equipe gestora e dos professores. As discussões, muitas vezes, giram em torno do desempenho do aluno em cada disciplina, com os professores opinando com base em suas observações durante as aulas. Não há, na maioria das vezes, uma análise mais ampla que contemple as causas subjacentes às dificuldades apresentadas pelos estudantes ou as condições para que eles avancem de fato.

Nessas reuniões, o critério mais comum para decidir pela aprovação ou reprovação é a soma de notas, o comportamento do aluno e a percepção de esforço. O problema surge quando essas análises não levam em conta se o estudante efetivamente aprendeu o que é essencial para continuar sua trajetória acadêmica. O foco acaba sendo a conclusão do ano letivo, e não a garantia de aprendizagem significativa.

Como professor, tenho minhas críticas ao atual modelo implementado na maioria das escolas. Aliás, nunca tive outra experiência diferente desta que estou relatando. Logo, não tenho como avaliar outro modelo e quando leio algum texto ou experiência diferente, fico apenas imaginando como seria esse processo.

O dilema da Aprovação e o sentimento de Injustiça 

Quando se trata de alunos que não adquiriram habilidades fundamentais, a decisão se torna um impasse. É justo aprovar um estudante que ainda não consegue ler, interpretar textos ou realizar operações matemáticas básicas? Ao mesmo tempo, é produtivo mantê-lo retido sem um plano robusto para sanar essas lacunas?

O ideal seria que o Conselho de Classe funcionasse como um espaço para desenvolver estratégias pedagógicas personalizadas, com intervenções específicas para cada caso. No entanto, a realidade é que, na maioria das escolas públicas brasileiras faltam recursos, tempo, estrutura e até mesmo docentes para suprir a necessidade dos alunos que ficam retidos por não ter adquirido as habilidades estabelecidas por lei e com isso, desenvolver estratégias reais para a mudança desta realidade no ano subsequente.

Vale destacar, a necessidade de reflexão acerca da aprovação deste aluno que não desenvolveu as habilidades previstas nos conteúdos do currículo oficial, deixou de frequentar ou não conseguiu demonstrar para todos que ele merecia passar de ano para que não haja a ideia da existência da aprovação automática e junto com isso, o sentimento de injustiça.

Aliás, esse sentimento de injustiça pode ter impactos profundos no ambiente escolar, tanto entre os alunos quanto entre os professores. Para os estudantes que se esforçam e conseguem superar suas dificuldades, ver colegas sendo aprovados sem demonstrarem o mesmo empenho pode gerar desmotivação e até um senso de que o esforço é irrelevante. Para os professores, essa prática reforça a sensação de que seu trabalho não está sendo valorizado, já que, mesmo apontando as lacunas de aprendizagem e propondo estratégias de recuperação, muitas vezes suas análises não são consideradas de forma adequada. Por isso, é fundamental que o processo de aprovação seja acompanhado de um plano claro e rigoroso, que não apenas reconheça as dificuldades dos alunos, mas também assegure intervenções pedagógicas que garantam a aprendizagem efetiva e o equilíbrio no ambiente escolar.

Por este motivo, a aprovação que não desenvolveu as habilidades é vista como uma tentativa de evitar a evasão escolar, mas ela pode mascarar problemas mais profundos. Por outro lado, a reprovação em série – especialmente quando baseada apenas no desempenho em uma ou duas disciplinas – não contribui para resolver as dificuldades pedagógicas, perpetuando o fracasso escolar.

Estratégias que precisam ser adotadas pelas escolas e redes

Uma questão essencial que muitas vezes é negligenciada no processo de aprovação ou reprovação é o que acontece no ano seguinte com os alunos que, independentemente da decisão do Conselho de Classe, ainda carregam lacunas significativas de aprendizagem. Para que a escola cumpra sua função de promover uma educação de qualidade, é indispensável que haja uma estrutura que permita a esses estudantes participar de Planos Individuais de Trabalho (PITs), voltados para a recuperação dos conteúdos e habilidades não consolidados no ano anterior.

Esses planos devem ser personalizados, levando em conta as dificuldades específicas de cada aluno, sejam elas na leitura, escrita, interpretação de textos ou lógica matemática. Um PIT bem estruturado pode incluir: Aulas de reforço específicas, focadas nas lacunas identificadas; Materiais pedagógicos diferenciados, que atendam às necessidades do estudante; Acompanhamento contínuo, com avaliações periódicas para monitorar o progresso; Participação ativa da família, para que as estratégias de aprendizagem continuem também fora do ambiente escolar.

Para que esses planos sejam efetivos, é necessário que as escolas disponham de recursos humanos e materiais adequados, incluindo professores capacitados para lidar com essas demandas e horários específicos na grade para as atividades de recuperação. Além disso, é essencial que a gestão escolar e as secretarias de educação assumam o compromisso de viabilizar políticas públicas que garantam suporte contínuo a essas iniciativas.

Ao estruturar essa abordagem, a escola transforma o Conselho de Classe em um momento de planejamento pedagógico verdadeiro, onde as decisões sobre aprovação ou reprovação são apenas o início de uma estratégia mais ampla e integrada de ensino e aprendizagem. Assim, evita-se a perpetuação do fracasso escolar, promovendo de fato a equidade e a inclusão na educação.

Ampliando o Conselho de Classe: Uma necessidade

Para que o Conselho de Classe seja realmente eficaz, ele precisa ser ampliado e incluir diferentes perspectivas. Além dos professores e da equipe gestora, seria enriquecedor envolver os Familiares, que podem ajudar a compreender fatores externos que impactam o desempenho escolar.

A escola precisa convidar os pais e responsáveis para que eles sejam responsabilizados pela condução do processo educativo do seu filho. Eles precisam ouvir os professores e assinar uma Carta Compromisso com a Escola.

Os próprios alunos, em alguns casos, também podem participar para que possam expressar suas percepções e sugerir soluções. Eles precisam entender a sua realidade e ter oportunidade para manifestar um compromisso de mudança de atitude e busca pelo conhecimento.

Deixar a responsabilidade do Conselho de Classe exclusivamente nas mãos dos professores e da equipe gestora dificilmente promoverá mudanças significativas na postura dos estudantes. Esse modelo tende a perpetuar o sentimento de injustiça educacional, gerando desmotivação entre alunos que se dedicam e frustração entre os educadores, que veem seus esforços e critérios sendo relativizados.

Uma abordagem ampliada tornaria o Conselho de Classe um espaço mais democrático, capaz de promover não apenas decisões sobre o presente, mas também planos concretos para o futuro dos estudantes.

Conclusão

A prática atual do Conselho de Classe precisa ser repensada. Decisões sobre aprovação ou reprovação não podem ser pautadas apenas por resultados numéricos ou pela convivência pontual dos professores com os alunos. É necessário considerar a real aquisição das competências básicas e, principalmente, garantir que existam ações pedagógicas para preencher as lacunas identificadas.

A educação não é apenas um processo de classificação; é uma construção contínua. O Conselho de Classe, quando visto como um instrumento de transformação e planejamento, pode deixar de ser apenas uma instância de decisão que é realizada apenas no final do ano letivo e se tornar um espaço de fortalecimento do processo educativo que inclua a todos e reforce a necessidade de compromissos com a aprendizagem. Afinal, é preciso lembrar que mais importante do que aprovar ou reprovar é comemorar as vitórias, as aprendizagens e as conquistas dos estudantes.

Eu adoro ver meus alunos assumindo com segurança as rédeas de sua vida e agradecendo aos seus professores pelo tempo dedicado e o compromisso que ele teve com a sua mudança pessoal. É inspirador e renova todos os anos a minha esperança de que estou no caminho certo e do lado certo da história.


Referência Inspiradora:

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.

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