Dados recentes do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) revelam que 61,8% das mulheres residentes em Jardim Gramacho, um bairro da periferia de Duque de Caxias, enfrentam a ausência de creches e escolas públicas adequadas para deixar seus filhos enquanto trabalham.
A pesquisa, realizada entre 2022 e 2023, destaca uma realidade alarmante que se estende a outras favelas da Grande Tijuca, como Borel, Indiana e Chácara do Céu, onde as porcentagens de mães que não conseguem acesso à educação infantil variam de 17,7% a 28,7%. No Complexo do Alemão, 32% das mulheres também relatam a mesma dificuldade.
O estudo, que entrevistou 12.414 pessoas, aponta que a falta de vagas em instituições de ensino não apenas compromete o desenvolvimento das crianças, mas também prejudica os direitos das mães ao trabalho. Com recursos limitados, muitas mulheres se veem obrigadas a usar benefícios sociais, como o Bolsa Família, para custear creches particulares.
Este cenário é exemplificado por Gisely de Aguiar, moradora de Jardim Gramacho, que, sem conseguir matrícula para seus filhos em escolas públicas, recorreu ao ensino privado para sua filha de 4 anos, enquanto o filho de 2 ainda não tem acesso a uma creche.
Gisely, que parou de trabalhar fora devido à falta de apoio familiar e à ausência de vagas, expressa sua frustração: "O mais novo não está em creche porque é bem difícil de conseguir. A menina não conseguiu colégio público, então eu tiro do meu Bolsa Família para pagar colégio".
Essa situação reflete uma violação dupla de direitos, onde a falta de infraestrutura educacional impede a inserção das mulheres no mercado de trabalho.
A pesquisa também aborda a alarmante defasagem escolar nas comunidades. Cerca de 38,3% das mulheres nas favelas da Grande Tijuca não completaram o ensino fundamental. Os índices em Jardim Gramacho e no Complexo do Alemão são igualmente preocupantes, com 33% e 34%, respectivamente. No que diz respeito ao acesso à educação superior, apenas 2% das mulheres nas favelas da Tijuca e 1,7% em Jardim Gramacho conseguiram concluir a graduação, números que contrastam com a média nacional de 20,7%.
Rita Corrêa Brandão, diretora executiva do Ibase, destaca que a educação infantil é um direito fundamental garantido pela Constituição. Já a coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Samantha Guedes, alerta que os dados sobre o déficit de vagas são subestimados, com muitas famílias desistindo de buscar matriculas.
Ela destaca a importância da educação infantil para o pleno desenvolvimento das crianças e critica os horários inadequados das creches, que muitas vezes não atendem às necessidades das mães trabalhadoras.
Além disso, o cenário se torna ainda mais preocupante quando se observa a disparidade entre as classes sociais. A gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim, ressalta que as crianças de famílias em situação de vulnerabilidade têm acesso limitado à educação infantil de qualidade, o que perpetua o ciclo de pobreza.
Atualmente, 2,3 milhões de crianças de até 3 anos no Brasil não frequentam creches devido a dificuldades de acesso, sendo que o percentual de famílias mais pobres que enfrentam essa situação é quatro vezes maior em comparação às famílias ricas.
A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de oferecer creches para 50% das crianças de até 3 anos ainda está longe de ser alcançada. A falta de ação efetiva para resolver a crise educacional nas comunidades mais vulneráveis levanta questionamentos sobre as prioridades do poder público e a real proteção dos direitos das mulheres e crianças no Brasil.
Fonte: Agência Brasil