Preconceito, Discriminação e Segregação Social: Desafios para a Educação e para a Cidadania

Preconceito, Discriminação e Segregação Social: Desafios para a Educação e para a Cidadania

A sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades históricas e estruturais, ainda convive com práticas cotidianas de preconceito, discriminação e segregação social. Esses fenômenos, embora relacionados, possuem distinções conceituais importantes que precisam ser compreendidas para que se possa enfrentá-los com responsabilidade, criticidade e intencionalidade educativa. Entender tais conceitos é essencial não apenas para a formulação de políticas públicas mais eficazes, mas também para a construção de uma cultura cidadã mais justa e inclusiva.

O preconceito pode ser entendido tanto como uma atitude negativa quanto um julgamento prévio sobre indivíduos ou grupos, baseado em estereótipos, construções culturais e históricos de dominação. Trata-se de um fenômeno complexo, enraizado em narrativas históricas, ideológicas e religiosas, sendo frequentemente irracional e emocional, antecedendo a experiência real com o outro. Pode se manifestar de forma velada ou explícita, operando tanto no plano individual quanto coletivo. Quando esse preconceito se transforma em ações concretas que negam direitos, impedem acessos ou reproduzem exclusões, estamos diante da discriminação, um estágio mais perigoso e sistemático de exclusão social.

A discriminação pode ocorrer tanto em nível interpessoal quanto de forma institucionalizada, afetando políticas públicas, estruturas educacionais, mercado de trabalho, sistema de justiça, atendimento à saúde e outros espaços sociais. Segundo Goffman (1988), os estigmas sociais operam como marcadores que geram exclusão e inferiorização, reforçando a ideia de que certos grupos são "menos capazes" ou "menos dignos". Isso cria um ciclo de marginalização sustentado por práticas, discursos e até legislações que perpetuam privilégios para alguns enquanto restringem oportunidades para outros.

A segregação social, por sua vez, é a manifestação mais concreta da discriminação, quando grupos são separados fisicamente ou socialmente, vivendo em contextos distintos, muitas vezes privados dos mesmos direitos e oportunidades. Essa segregação pode ser racial, econômica, territorial ou educacional, como ocorre nas periferias urbanas, nas escolas com recursos desiguais ou nos acessos diferenciados à tecnologia e ao conhecimento. A própria urbanização brasileira, marcada pela divisão entre centros e periferias, revela como o espaço físico pode refletir e reforçar hierarquias sociais e desigualdades estruturais.

O Brasil é um exemplo emblemático de como essas práticas se entrelaçam e se perpetuam ao longo do tempo. O racismo estrutural, por exemplo, tem origem no passado escravista e persiste na atualidade, invisibilizando a população negra e dificultando sua ascensão social. Trata-se de uma forma de racismo que está incorporada nas instituições, práticas, leis e normas sociais de um país, operando de modo sistêmico e muitas vezes invisível. Ao contrário do racismo individual, que se manifesta em atitudes ou ações específicas de uma pessoa contra outra, o racismo estrutural atua coletivamente, reforçando desigualdades históricas por meio de estruturas econômicas, educacionais, jurídicas e culturais. Ele está presente, por exemplo, na sub-representação de negros em cargos de liderança, na maior taxa de desemprego entre essa população, na violência policial direcionada desproporcionalmente a jovens negros e na disparidade de acesso à saúde e à educação de qualidade. Como destaca Silvio Almeida (2018), o racismo estrutural não é uma anomalia do sistema, mas parte integrante de sua lógica de funcionamento, naturalizando a exclusão e tornando difícil sua percepção por aqueles que não sofrem diretamente seus efeitos. Essa lógica também se estende a outros grupos vulnerabilizados, como pessoas com deficiência, povos indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas, LGBTQIAPN+ e moradores de rua, que são frequentemente alvos de políticas públicas excludentes ou ausentes.

Na educação, essas barreiras se tornam ainda mais graves, pois comprometem a função social da escola como espaço de inclusão, emancipação e formação cidadã. A desigualdade no acesso à educação de qualidade, a evasão escolar, o preconceito linguístico, a ausência de representatividade no currículo, a negação da história afro-brasileira e indígena, e a exclusão digital são algumas das expressões da discriminação no contexto escolar. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe a promoção da equidade e da diversidade como princípios fundamentais, especialmente na Competência Geral 1 (valores éticos e humanos), na Competência Geral 5 (cultura digital) e na valorização da pluralidade cultural brasileira. Isso exige uma prática pedagógica intencional, crítica e transformadora, que rompa com o modelo bancário de educação denunciado por Paulo Freire.

Segundo Kimberlé Crenshaw (2002), a interseccionalidade permite compreender como diferentes formas de opressão se cruzam e se sobrepõem, criando experiências únicas de exclusão. Ser mulher negra e periférica, por exemplo, representa uma condição interseccional de múltiplas barreiras sociais, pois gênero, raça e classe operam simultaneamente na experiência dessa pessoa. Essa perspectiva é fundamental para que políticas educacionais, sociais e culturais não sejam generalistas, mas levem em consideração as especificidades e vulnerabilidades múltiplas.

Cabe à escola e aos educadores promoverem uma educação antidiscriminatória, que valorize a pluralidade, estimule a empatia e fomente o pensamento crítico. Projetos interdisciplinares, leitura de autores diversos, debates sobre direitos humanos, pedagogias decoloniais e o uso consciente das mídias são caminhos possíveis para construir um espaço mais inclusivo e democrático. Iniciativas como formação continuada dos professores, espaços de escuta ativa dos estudantes e a adoção de currículos mais inclusivos são estratégias urgentes e necessárias.

Conclui-se que o combate ao preconceito, à discriminação e à segregação exige mais do que políticas públicas ou leis: é preciso promover uma mudança cultural que transforme a convivência, o olhar sobre o outro e os sentidos atribuídos à diferença. Essa transformação passa pelo reconhecimento das desigualdades, pelo enfrentamento das violências simbólicas e estruturais e pelo fortalecimento da educação como direito universal. A educação, portanto, não apenas instrui, mas forma sujeitos éticos, críticos e transformadores — sendo um dos instrumentos mais poderosos para construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, equitativa e plural.


Referências

ALMEIDA. Silvia. O que é Racismo Estrutural. Disponível em: https://inegalagoas.org/wp-content/uploads/2020/04/almeida-silvio_-o-que-c3a9-racismo-estrutural_-2-pc3a1ginas-1-17.pdfAcesso em: 25 maio 2025.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Genebra: ONU, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?lang=pt. Acesso em: 25 maio 2025.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Estigma-Notas-Manipula%C3%A7%C3%A3o-Identidade-Deteriorada/dp/8521612559.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 25 maio 2025.

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