1. Introdução
A sociedade contemporânea vive um momento histórico único, marcado pela intensificação dos processos de globalização e pela revolução tecnológica digital. Estes fenômenos, interconectados e complexos, transformam profundamente as estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais em escala planetária. Para compreender adequadamente essas transformações, é fundamental analisar não apenas os aspectos contemporâneos, mas também as raízes históricas que moldaram o mundo atual, particularmente os processos colonizadores europeus que estabeleceram as bases das desigualdades globais existentes.
2. O processo de Globalização e suas ambiguidades
A globalização pode ser definida como um processo multidimensional de integração mundial que envolve aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais viabilizado pelos avanços tecnológicos em comunicação e transporte. Segundo Anthony Giddens (1991), a globalização é "a intensificação das relações sociais mundiais que ligam localidades distantes de tal maneira que os acontecimentos locais são moldados por eventos que ocorrem a muitas milhares de quilômetros de distância, e vice-versa." (GIDDENS, 1991, p. 69).
Esse processo de intensificação dos fluxos de capitais, mercadorias, pessoas e informações em escala global, gerou um “espaço mundial integrado”. No entanto, a globalização possui ambiguidades marcantes: ao mesmo tempo em que aproxima mercados e culturas e facilita o acesso rápido à informação, também aprofunda desigualdades e exclui regiões inteiras. Como observa Milton Santos (2000), vivemos em uma "globalização perversa", onde os benefícios não são distribuídos equitativamente, criando "espaços luminosos" para poucos e "espaços opacos" para muitos.
Portanto, é importante ressaltar que a globalização não se disseminou de forma uniforme pelos diferentes territórios, o que resultou na exclusão de parcelas significativas da população mundial. Desse modo, os benefícios e oportunidades advindos desse processo não foram distribuídos de maneira equitativa, provocando contradições socioespaciais especialmente evidentes nos países em desenvolvimento
Do ponto de vista crítico, pensadores como o geógrafo Milton Santos enfatizaram o caráter excludente do modelo global atual. Santos afirmou que "essa globalização não vai durar. Primeiro, ela não é a única possível. Segundo, não vai durar como está porque como esta é monstruosa, perversa. Não vai durar porque não tem finalidade" (SANTOS, 2000), indicando que a forma hegemônica de globalização gera injustiças e não representa a única via possível. Em sua obra, ele distinguiu a “globalização como fábula” (discurso otimista propagado pelos beneficiários do sistema) da “globalização como perversidade” (realidade de concentração de riqueza e poder) e da possibilidade de “uma outra globalização” mais humana. Essas ambiguidades refletem-se nas vantagens e desvantagens do processo: de um lado, há o aumento do contato cultural e da difusão de conhecimento; de outro, há padronização de comportamentos e aumento da disparidade socioeconômica. Em resumo, a globalização conecta o mundo, mas não elimina as diferenças – muitas vezes, as amplifica, exigindo reflexões sobre como torná-la mais inclusiva e equilibrada.
2.1. Integração e desintegração regional na Era Global
É importante destacar que a mundialização (globalização) promove simultaneamente processos de integração e desintegração regional. De um lado, observa-se uma maior integração entre países e regiões, manifestada por blocos econômicos (como União Europeia, Mercosul, BRICS, ASEAN, dentre outros) e redes transnacionais de comércio e informação. Barreiras físicas e comerciais foram reduzidas, criando a imagem de uma “aldeia global”. Por outro lado, conflitos étnicos, guerras civis e movimentos separatistas fragmentam territórios e sociedades. Neste sentido, a globalização ocorre de forma desigual e por vezes contraditória. Regiões mais desenvolvidas integram-se com facilidade às cadeias globais de produção e consumo, enquanto outras enfrentam desintegração ou marginalização social, ambiental e econômica.
Por exemplo, a expansão de empresas multinacionais pelo globo resultou no deslocamento de indústrias e cadeias produtivas para regiões com custos mais baixos de produção, especialmente onde a mão de obra é mais barata e as legislações ambientais e trabalhistas são mais flexíveis. Países como China, Vietnã, Índia e Bangladesh tornaram-se polos de manufatura global, atraindo fábricas de eletrônicos, vestuário e outros setores. Esse processo gerou crescimento econômico em algumas dessas nações, mas, ao mesmo tempo, enfraqueceu economias locais em países industrializados, como ocorreu com os Estados Unidos e o Reino Unido, que viram o fechamento em massa de fábricas e o aumento do desemprego estrutural em antigas regiões industriais, como o "Cinturão da Ferrugem" (Rust Belt).
Além disso, políticas neoliberais adotadas nos anos 1990 — fortemente influenciadas pelo chamado Consenso de Washington — incentivaram a abertura dos mercados nacionais à concorrência externa e a privatização de empresas estatais. No Brasil, por exemplo, esse processo levou à privatização (venda de estatais estratégicas como a Vale do Rio Doce e a Telebrás) e à redução de políticas de proteção à indústria nacional. Como consequência, muitas empresas locais não conseguiram competir com produtos importados mais baratos, o que resultou no fechamento de fábricas, na desindustrialização de regiões urbanas e no aumento do desemprego em setores como o têxtil e o metalúrgico. Esse movimento reforçou a dependência econômica do Brasil em relação às grandes potências e intensificou as desigualdades regionais internas.
Nesse sentido, a globalização econômica tanto integra quanto fragmenta: ao mesmo tempo que cria interdependência mundial, ela pode aumentar disparidades regionais. Um exemplo de desintegração foi a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), resultado de tensões sociais que atribuíram à integração econômica problemas internos. Da mesma forma, dentro de países como o Brasil, observa-se que a inserção competitiva no mercado global veio acompanhada de contrastes internos – áreas e grupos sociais que prosperam e outros que ficam à margem. Processos de migração internacional e deslocamentos populacionais também revelam integrações e desintegrações: há fluxos migratórios intensos conectando regiões (como trabalhadores buscando oportunidades globalmente), mas também surtos de xenofobia e políticas de fechamento de fronteiras em reação. Em suma, a era global intensificou a integração regional e mundial, porém sem abolir desequilíbrios; pelo contrário, muitas vezes esses fluxos amplificam diferenças, exigindo políticas que mitiguem os efeitos desiguais da integração global.
3. Impactos das Tecnologias na Estruturação Social
As tecnologias da informação e comunicação (TICs) revolucionaram as dinâmicas sociais contemporâneas. Manuel Castells (1999) denomina nossa época de "Era da Informação", caracterizada pela "sociedade em rede", onde "a tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais sucessivas" (CASTELLS, 1999, p. 68). Neste sentido, as transformações tecnológicas andam de mãos dadas com a globalização, moldando profundamente o ambiente, a sociedade e a cultura contemporâneos.
Ulrich Beck (2011) caracteriza nossa época como "sociedade de risco", onde os avanços tecnológicos produzem novos tipos de riscos e incertezas. A revolução digital, paradoxalmente, intensifica problemas ambientais. Simultaneamente, democratiza o acesso à informação e à educação.
Desde a Revolução Industrial do século XVIII, a adoção de novas tecnologias produtivas revolucionou a forma como o ser humano interage com a natureza. Esse processo trouxe progresso material, mas também graves impactos ambientais. Com o avanço da industrialização, houve um aumento significativo do consumo e, consequentemente, uma intensificação da exploração dos recursos naturais, tanto renováveis quanto não renováveis — como os solos, as florestas, os minérios e os corpos d’água. Esse processo veio acompanhado da geração massiva de poluentes, afetando diretamente o ar, a água e o solo. Ou seja, as fábricas e máquinas a vapor elevaram a extração de matérias-primas e a queima de combustível fóssil, desencadeando problemas como desmatamento, contaminação de rios e emissões de gases do efeito estufa. Em dois séculos, tais mudanças culminaram em crises ambientais globais: a alteração climática (aquecimento global), a perda de biodiversidade e a escassez de recursos naturais são desafios diretos dessa história tecnológica. No campo, técnicas como a mecanização agrícola e a Revolução Verde aumentaram a produtividade, mas à custa de uso intensivo de agrotóxicos e degradação do solo. Cidades cresceram rapidamente com a urbanização, criando problemas socioambientais urbanos – poluição do ar, acúmulo de resíduos, ilhas de calor – que exigem soluções sustentáveis. Em resposta, emergiu o conceito de desenvolvimento sustentável, visando conciliar progresso tecnológico com preservação ambiental para que as futuras gerações não sejam prejudicadas.
Assista ao vídeo criado por Annie Leonard sobre "A História das Coisas" para entender um pouco mais sobre o assunto.
No âmbito social e cultural, as novas tecnologias de informação e comunicação – como a internet, computadores pessoais e smartphones – revolucionaram as interações humanas. Nas últimas décadas, a forma de nos comunicarmos, trabalharmos e consumirmos cultura foi transformada pela digitalização. As novas tecnologias provocaram uma transformação profunda na forma como as pessoas percebem, interpretam e interagem com o mundo ao seu redor, alterando hábitos culturais, modos de comunicação e até mesmo a construção da identidade. A conectividade permamente pelas redes sociais e plataformas digitais encurtou distâncias: hoje é possível dialogar em tempo real com alguém do outro lado do planeta, acessar bibliotecas inteiras online e difundir ideias instantaneamente. Esse potencial democratizou a informação e deu voz a muitos grupos antes isolados. Por exemplo, comunidades tradicionais podem divulgar sua causa globalmente e movimentos sociais se organizam pela internet rompendo censuras estatais. Entretanto, os impactos sociais da tecnologia também trouxeram novos desafios. A sobrecarga de informações e o ritmo acelerado da vida digital podem gerar ansiedade e dispersão. As redes sociais criaram fenômenos como fake news e bolhas de opinião que afetam o debate público e a política. Além disso, a automação e a inteligência artificial ameaçam postos de trabalho tradicionais, exigindo adaptação da força de trabalho a novas habilidades.
Na esfera cultural, a tecnologia ampliou o alcance de produções culturais (música, cinema, literatura), mas também homogenizou gostos via algoritmos de recomendação global. Por outro lado, permitiu o renascimento de culturas locais através de nichos na internet e o intercâmbio multicultural como nunca antes. Em síntese, a tecnologia é um fator transformador ambivalente: melhora a qualidade de vida e expande horizontes, ao mesmo tempo em que impõe uma pressão inédita sobre o meio ambiente e impõe à sociedade a necessidade de se reinventar constantemente. O equilíbrio entre aproveitar a inovação tecnológica e mitigar seus efeitos negativos tornou-se um dos dilemas centrais da sociedade contemporânea.
3.1 Fluxos Globais
Em resumo, as tecnologias facilitam diversos tipos de fluxos globais:
- Fluxos Populacionais: As redes sociais e aplicativos facilitam a comunicação entre migrantes e suas famílias, influenciando padrões migratórios.
- Fluxos Financeiros: O mercado financeiro global opera 24 horas por dia através de sistemas digitais. As criptomoedas representam uma nova forma de capital que transcende fronteiras nacionais.
- Fluxos de Informação: As redes sociais transformaram a circulação de informações, criando fenômenos como as fake news.
- Fluxos Culturais: Plataformas como Netflix, Spotify e TikTok promovem a circulação global de produtos culturais.
3.2. Padronização Cultural e Consumo Global
Um dos fenômenos mais debatidos da globalização é a padronização cultural, frequentemente associada ao consumo de massa em escala planetária. A disseminação global de produtos, marcas e conteúdos midiáticos criou uma cultura de consumo vista como "homogênea", em que estilos de vida se replicam em diferentes países. Conforme descreve uma pesquisa recente, “o fenômeno da padronização cultural na sociedade contemporânea está intimamente ligado à ilusão de diversidade promovida pelo consumo em massa. A globalização e as tecnologias digitais contribuem para a disseminação de padrões culturais hegemônicos, mascarados sob a aparência de pluralidade” (ALMEIDA et al., 2025). Em outras palavras, embora pareça haver uma grande variedade de escolhas culturais (filmes, músicas, moda, comidas) disponíveis globalmente, muitas delas seguem modelos similares impostos por grandes conglomerados internacionais, privilegiando a lucratividade em vez da autenticidade cultural.
Essa uniformização cultural se manifesta, por exemplo, na presença onipresente de redes de fast-food, filmes de Hollywood, marcas de roupas e gadgets tecnológicos consumidos de Nova York a Tóquio, de Manaus a Cairo. Valores e hábitos originados em polos hegemônicos são difundidos mundialmente, às vezes levando jovens de diferentes países a vestir-se, divertir-se e comportar-se de forma parecida. Esse processo tende a amenizar particularidades locais, provocando a perda de expressões culturais tradicionais e idiomas minoritários. Estudos apontam que a indústria cultural oferece produtos supostamente diversos, mas estruturados para agradar a um público global amplo, ignorando especificidades regionais. Assim, forma-se uma “falsa diversidade”, na qual as escolhas do consumidor parecem variadas, porém refletem uma lógica padronizada e influenciada por algoritmos e estratégias de marketing (ALMEIDA et al., 2025)
Entretanto, esse cenário tem gerado resistências locais. Em muitos lugares, movimentos culturais, artistas e comunidades buscam valorizar identidades regionais e tradições, usando até as próprias redes globais para difundir conteúdo alternativo. Pode-se citar o fortalecimento de cenas musicais locais, a gastronomia típica promovida pelo turismo responsável, ou políticas de incentivo à produção cultural nacional. Tais iniciativas mostram que é possível desafiar a hegemonia cultural global e manter vivas as diferenças. Em resumo, a globalização cultural traz o desafio de equilibrar a riqueza da diversidade com a tendência à homogeneização. A conscientização dos consumidores e o apoio a culturas locais são caminhos para evitar que o consumo global uniforme apague as identidades regionais.
Globalização e Política Nacional: Interferências e Contribuições
É importante também frisar que a globalização afeta profundamente as políticas nacionais. Organismos como FMI e OMC estabelecem diretrizes que limitam a autonomia política dos países e, ao mesmo tempo, a cooperação internacional permite enfrentar problemas globais como pandemias e mudanças climáticas.
Neste sentido, a relação entre globalização e política nacional é complexa, envolvendo perda de autonomia em alguns aspectos e ganhos em outros. Por um lado, a interdependência global implica que decisões internas de um país sofram influências externas – seja de mercados financeiros, de empresas multinacionais ou de organismos internacionais. Percebe-se que as políticas econômicas protecionistas tornam-se cada vez mais difíceis de manter diante das pressões de acordos comerciais internacionais e da atuação de grandes fluxos de capital que exigem a abertura dos mercados. Em muitas situações, os governos acabam adaptando suas políticas monetárias, fiscais e industriais não com base em interesses internos, mas para atender às exigências de investidores globais e às regras estabelecidas pelo comércio internacional. Essa realidade não se limita ao campo econômico. Também nas áreas cultural e social, observa-se, portanto, que legislações internas passam a ser moldadas por tratados globais de direitos humanos ou ambientais. Esses tratados podem representar avanços importantes no plano civilizatório, mas também evidenciam o quanto as decisões nacionais são impactadas por pressões externas.
Um ponto de tensão é a questão da soberania nacional. Instituições como a ONU, OMC ou acordos como o Paris (clima) trazem países para fóruns multilaterais onde interesses nacionais cedem espaço a compromissos globais. Há casos em que países poderosos interferem diretamente na política de outros, seja por sanções econômicas, apoio a facções políticas, ou mesmo ações militares, alegando defender princípios universais. Tais ingerências levantam críticas de imperialismo e violação da autodeterminação dos povos. Por outro lado, a globalização trouxe contribuições importantes às políticas nacionais. A integração econômica oferece oportunidades de desenvolvimento – acesso a novos mercados, investimentos estrangeiros e expansão das exportações podem impulsionar o crescimento interno. O intercâmbio científico e tecnológico internacional permite que países incorporem inovações e melhorem serviços públicos (na saúde, educação, comunicação, etc.). Além disso, problemas que ultrapassam fronteiras (mudanças climáticas, tráfico de pessoas, pandemias) só podem ser enfrentados efetivamente com cooperação internacional, estimulando governos a trabalharem juntos em prol de soluções globais.
Assim, o contexto global impõe um balanço delicado às nações: é preciso aproveitar os benefícios da integração – como crescimento econômico, modernização e colaborações benéficas – sem abdicar da defesa dos interesses nacionais e da identidade cultural. A difícil missão dos governos de cada nação é criar políticas eficazes que combinem abertura ao mundo com proteção socioambiental e incentivos locais. Em última instância, a globalização redefine o papel do Estado: mais do que isolado e soberano absoluto, o Estado hoje atua em rede, negociando constantemente entre demandas externas e prioridades internas.
Para entendermos um pouco sobre tudo isso que estamos falando iremos retornar um pouco mais no tempo e compreender um pouco sobre o colonialismo europeu.
Consequências do colonialismo europeu na América, África, Ásia e Oceania
Aníbal Quijano (2005) afirma que a colonialidade estabeleceu um "padrão mundial de poder" que persiste na contemporaneidade. O colonialismo criou uma divisão internacional do trabalho, impôs sistemas culturais europeus, traçou fronteiras arbitrárias e estabeleceu hierarquias raciais.
Neste sentido, os processos de colonização liderados pelas potências europeias entre os séculos XVI e XX provocaram transformações profundas e duradouras em praticamente todos os continentes. Suas consequências não se restringem ao passado: elas continuam a estruturar realidades políticas, econômicas, sociais e culturais no mundo contemporâneo. A colonização não foi apenas um processo de ocupação territorial, mas também de imposição violenta de sistemas econômicos, religiões, línguas e formas de organização social que favoreceram as metrópoles em detrimento das populações locais.
Nas Américas, o processo iniciado com a chegada dos europeus no final do século XV resultou em um verdadeiro colapso demográfico e civilizacional para os povos originários. As guerras de conquista, a escravidão indígena e a difusão de doenças desconhecidas entre as populações locais — como varíola e sarampo — reduziram drasticamente o número de habitantes nativos. Impérios desenvolvidos, como os Astecas e os Incas, foram destruídos, e seus tesouros saqueados para abastecer os cofres das coroas europeias. Paralelamente, a colonização deu início ao tráfico transatlântico de africanos escravizados, arrancados de seus territórios e submetidos a uma vida de exploração nas plantações e minas coloniais. A combinação entre genocídio indígena, escravidão africana e concentração fundiária forjou sociedades marcadas por profundas desigualdades raciais e econômicas, cujos efeitos persistem até os dias atuais na estrutura social da América Latina.
Na África, a colonização tomou força no final do século XIX, no período conhecido como neocolonialismo. Durante a Conferência de Berlim (1884-1885), as potências europeias dividiram o continente africano em zonas de exploração, traçando fronteiras artificiais que desrespeitaram a diversidade étnica e cultural dos povos locais. Essas divisões arbitrárias fomentaram conflitos que, após as independências dos anos 1950 e 1960, explodiram em guerras civis e crises políticas. Além disso, os colonizadores estruturaram as economias africanas para servir aos interesses da metrópole, voltando-as à exportação de matérias-primas e impossibilitando o desenvolvimento autônomo. Após a descolonização, muitos países herdaram Estados frágeis, liderados por elites formadas para atender à lógica colonial, o que facilitou a instalação de regimes autoritários e a continuidade da dependência econômica — uma herança que muitos chamam de neocolonialismo contemporâneo.
Na Ásia, o colonialismo também deixou marcas profundas, embora com variações regionais. A Índia, por exemplo, foi governada pelo Império Britânico por quase dois séculos, período no qual sua economia foi reestruturada para atender aos interesses britânicos. Indústrias tradicionais foram desmanteladas, e a agricultura passou a produzir principalmente para exportação. O resultado foi uma série de fomes e crises sociais. A partilha da Índia, em 1947, que levou à criação do Paquistão, é um exemplo clássico de como o colonialismo deixou legados duradouros de conflito. No Sudeste Asiático, as potências europeias transformaram territórios inteiros em plantações coloniais — como no Vietnã e na Indonésia —, gerando pobreza e resistência. Já no Japão, embora não tenha sido colonizado, houve a adoção de práticas imperialistas na Ásia, mostrando que a lógica da dominação não foi exclusividade do Ocidente. Após a independência, países asiáticos enfrentaram o desafio de reconstruir suas identidades nacionais e economias, muitas vezes sob estruturas herdadas da dominação externa.
Na Oceania, o colonialismo europeu se deu majoritariamente por meio do povoamento. Austrália e Nova Zelândia foram ocupadas por colonos britânicos a partir do século XVIII, resultando na expulsão violenta dos povos indígenas locais — os aborígenes e os maoris. Os aborígenes australianos sofreram genocídios, perda de terras e políticas de assimilação forçada, como as chamadas “gerações roubadas”, em que crianças indígenas foram separadas de suas famílias e reeducadas em instituições ocidentais. A Nova Zelândia, embora tenha assinado o Tratado de Waitangi com os maoris, também viu suas terras serem tomadas e suas culturas ameaçadas. Em outras ilhas do Pacífico, como Nauru, Ilhas Marshall e Polinésia Francesa, as potências coloniais exploraram recursos naturais, realizaram testes nucleares e desestruturaram comunidades inteiras.
Esse legado colonial, presente em diferentes dimensões — demográfica, econômica, política, social e cultural —, criou um mundo profundamente desigual. As potências colonizadoras enriqueceram com base na exploração dos povos colonizados, que, por sua vez, iniciaram sua trajetória como nações independentes com grandes desvantagens estruturais. Economias dependentes da exportação de matérias-primas, fronteiras instáveis, desigualdades étnico-raciais e a difusão da ideia de superioridade europeia são algumas das heranças mais visíveis. Compreender esse passado é fundamental para analisar as relações de poder atuais, os conflitos geopolíticos e as lutas por justiça social que ainda se desenrolam em todo o mundo.
Em todas as “diferentes dimensões” – demográfica, econômica, política, social e cultural – o colonialismo europeu deixou um legado ambíguo. Se por um lado conectou continentes e propiciou a circulação de ideias, plantas, animais (no chamado intercâmbio colombiano após 1492) e mesmo o surgimento de novas sociedades multiculturais, por outro lado fez isso através de violência, dominação e exploração em larga escala. O resultado foi a criação de um mundo desigual: nações colonizadoras enriqueceram e industrializaram precocemente, enquanto grande parte da Ásia, África e América Latina entrou no século XX em posição de dependência – o chamado “Terceiro Mundo” surgiu das “profundezas da colonização europeia”. As estruturas econômicas das colônias, voltadas para exportação de matérias-primas e importação de manufaturados, persistiram após a independência, dificultando o desenvolvimento autônomo. Disparidades sociais internas, frequentemente baseadas em raça ou etnia (herança da escravidão e do racismo colonial), ainda marcam muitas sociedades pós-coloniais. Além disso, as fronteiras artificiais traçadas pelos colonizadores continuaram fonte de conflitos e tensões geopolíticas. Não menos importante, a mentalidade colonial – a ideia de superioridade cultural europeia – deixou resquícios no preconceito, nas políticas e até na autoestima de povos colonizados. Por tudo isso, compreender as consequências do colonialismo é essencial para interpretar os desafios atuais desses continentes e buscar formas de superar ou reparar esse legado histórico de desigualdade.
Como referenciar este texto:
Blog do Lab de Educador. Globalização, Tecnologia e Colonização: Impactos na Sociedade Contemporânea. Zevaldo Sousa. Publicado em: 04/08/2025. Link da Postagem: https://blog.labdeeducador.com.br/2025/08/globalizacao-tecnologia-e-colonizacao-impactos-na-sociedade-contemporanea.html. {codeBox}
Gostou deste conteúdo? Compartilhe suas opiniões e experiências nos comentários e acompanhe nossas redes sociais para mais dicas e informações práticas!
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Aline Fernanda Scotti de; AZEVEDO, Analice da Costa; BATISTA, Claudia Medianeira Oliveira; SOARES, Heitor Leandro Foss; BIANQUIN, Marilaine Langbecker; CASTRO, Rogério Eduardo Leivas de; SILVA, Rosane de Lourdes Prates da; SANTOS, Saulo Felipe Basso dos; SOUZA, Verônica Peixe Flores de; LAMPE, Vitor Hugo do Nascimento; FAGUNDES, Wasley Barbosa. Reflexos da cultura: consumo, uniformidade e a ilusão de diversidade. Revista FT, Ciências Sociais Aplicadas, v. 29, n. 145, p. 45–46, abr. 2025. DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504041345. Disponível em: https://revistaft.com.br/reflexos-da-cultura-consumo-uniformidade-e-a-ilusao-de-diversidade/. Acesso em: 4 ago. 2025.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
LEONARD, Annie. The Story of Stuff: how our obsession with stuff is trashing the planet, our communities, and our health – and a vision for change. New York: Free Press, 2011.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.