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Pepe Mujica: “Não compramos com dinheiro, mas com o tempo de vida” |
1. Introdução aos Sistemas Econômicos em Disputa
O capitalismo emergiu entre os séculos XV e XVIII, rompendo gradualmente com a ordem feudal. Suas bases fundamentais incluem: propriedade privada dos meios de produção, busca do lucro como motor da atividade econômica e o funcionamento pelo livre mercado, onde oferta e demanda determinam os preços. Desde a Revolução Industrial, o capitalismo se consolidou como sistema dominante, caracterizado pela competição entre empresas e pela inovação tecnológica constante.
Em contrapartida, o socialismo surgiu no século XIX como crítica às desigualdades capitalistas, propondo a propriedade coletiva (ou estatal) dos meios de produção e a planificação econômica pelo Estado. No socialismo, busca-se reduzir as disparidades sociais por meio de uma distribuição mais igualitária da riqueza e da intervenção deliberada na economia. Já o comunismo, concebido por pensadores como Karl Marx e Friedrich Engels, seria um estágio final ideal: uma sociedade sem classes e sem Estado, em que a propriedade privada dos meios de produção desapareceria completamente em favor de uma posse coletiva e autogerida. Nesse cenário utópico comunista, a cooperação alcançaria seu ápice e o Estado, assim como as distinções de classe, se tornaria desnecessário. Será que uma sociedade totalmente igualitária e sem Estado seria viável na prática? Essa é apenas uma pergunta provocadora que visa buscar uma reflexão sobre os desafios de implementar tais ideais.
Um outro sistema a considerar é o fascismo, que se desenvolveu especialmente nas décadas de 1920 e 1930 em países como Itália e Alemanha. Diferente do socialismo e do comunismo (de origem à esquerda), o fascismo é um modelo autoritário de extrema-direita, ultranacionalista e corporativista. Nele, o Estado exerce forte controle sobre a economia e a sociedade, enfatizando valores de unidade nacional, disciplina e obediência. Entretanto, ao contrário do socialismo, o fascismo não elimina a propriedade privada – ele permite que empresários mantenham seus bens, contanto que alinhem sua produção aos objetivos do Estado. Pode-se dizer que a economia fascista é planificada pelo Estado, mas mantendo classes sociais e privilegiando determinadas elites leais ao regime. Existiu algum desses sistemas em forma “pura”?
Historicamente, o capitalismo, o socialismo, o comunismo e o fascismo apresentaram variações e misturas. Por exemplo, muitos países capitalistas adotam políticas públicas (educação, saúde, seguridade social) inspiradas em ideias socialistas, enquanto países "ditos ou considerados" socialistas reais nunca alcançaram o comunismo idealizado por Marx. Assim, ao estudar sistemas em disputa, é importante perceber que a realidade é complexa: elementos de diferentes modelos podem coexistir. Mas, por que surgiram propostas tão diferentes para organizar a economia? Em grande medida, é porque cada sistema tenta responder a problemas sociais específicos – seja a desigualdade, a falta de liberdade ou a instabilidade – oferecendo valores distintos: o capitalismo valoriza a liberdade de mercado e a iniciativa individual; o socialismo prioriza a igualdade e a justiça social; o comunismo vislumbra a cooperação integral; e o fascismo exalta a ordem e a lealdade nacional.
2. A Economia Capitalista Internacional
No século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, o capitalismo expandiu-se globalmente, configurando uma economia capitalista internacional. Esse processo de globalização econômica intensificou os fluxos de capitais, mercadorias e pessoas através das fronteiras. Empresas multinacionais produzem em escala mundial, investimentos financeiros circulam instantaneamente de um país a outro, e trabalhadores migram em busca de oportunidades. Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) foram criadas para regular e facilitar essas interações econômicas entre países. Em teoria, essas instituições visam promover a estabilidade financeira e a liberalização do comércio. Porém, críticos observam que frequentemente elas refletem os interesses das nações mais ricas, contribuindo para a manutenção de desigualdades globais.
Uma maneira de entender essas desigualdades é por meio da noção de centro e periferia. Países do centro (economias desenvolvidas, industrializadas e tecnológicas, em especial, EUA e Europa) concentram capital, tecnologia e poder de decisão, enquanto os países da periferia (em desenvolvimento, como exemplo, temos os BRICS) muitas vezes dependem da exportação de matérias-primas ou produtos de baixo valor agregado. Esse desequilíbrio histórico (herdado em parte do colonialismo) perpetua disparidades: lucros e investimentos tendem a fluir para o centro, ao passo que na periferia persistem problemas sociais e restrições de desenvolvimento. A globalização econômica diminuiu ou aumentou as desigualdades entre os países? Quem ganha e quem perde nesse jogo global? Que tal pensarmos criticamente sobre os efeitos da economia internacional?
A partir dos anos 1980-1990, políticas de neoliberalismo ganharam força. O neoliberalismo defende a redução do papel do Estado na economia, promovendo privatizações de empresas estatais, desregulamentação de mercados e abertura a comércio e investimentos estrangeiros. A promessa neoliberal era de que, removendo-se barreiras e deixando o mercado atuar livremente, haveria crescimento econômico beneficente a todos. De fato, o comércio internacional cresceu e países emergentes se integraram mais aos fluxos globais. Entretanto, também se observou o fenômeno da financeirização: o setor financeiro (bancos, bolsas de valores, fundos de investimento) cresceu enormemente em relação à economia produtiva. Hoje, grande parte dos lucros vem de operações financeiras e especulativas, em vez da produção direta de bens e serviços. Isso torna a economia global mais volátil e sujeita a crises (como a crise financeira de 2008). Ademais, a busca por mão de obra e recursos baratos levou empresas a deslocarem fábricas para países onde os salários são menores e as regulações trabalhistas e ambientais são mais brandas.
Nesse contexto, interdependência global é uma palavra-chave: um investimento ou problema em uma parte do mundo pode rapidamente afetar outras regiões. Um exemplo claro foi a pandemia de COVID-19, em que a interrupção de cadeias produtivas na Ásia resultou em escassez de produtos no mundo todo. Seria possível um país “desligar-se” dessa economia interdependente e ainda prosperar? Provavelmente não com facilidade – vivemos em uma teia econômica mundial, onde isolamento traz custos altos. Assim, estudar a economia capitalista internacional ajuda a entender desafios contemporâneos como as migrações em massa, as mudanças climáticas globais (intimamente ligadas ao padrão de consumo global) e os debates sobre justiça econômica entre nações.
3. A Sociedade em Rede
Nas últimas décadas, além da globalização econômica, houve uma revolução tecnológica que reorganizou profundamente o trabalho, a comunicação e as relações sociais. Manuel Castells denomina o atual paradigma de sociedade em rede, ou sociedade da informação, marcada pela ubiquidade das tecnologias de informação e comunicação (TICs). De acordo com Castells (1999), vivemos em uma era digital em que a informação se tornou o eixo estruturante da economia e da vida social. A difusão da internet, dos computadores pessoais e, mais recentemente, dos smartphones criou redes digitais que conectam pessoas, empresas e governos em escala global, em tempo real.
Abaixo, você pode assistir ao vídeo Sociedade em Rede da Camila Pires para entender um pouco mais sobre o conceito.
Novas formas de relacionamento e novas comunidades não enraizadas geograficamente surgem, assim como novos produtores, distribuidores e consumidores posicionados na esfera global (BRANCO, 1999). Em outras palavras, a tecnologia permitiu que indivíduos interajam e formem comunidades além das fronteiras físicas, baseados em interesses comuns ou colaborações profissionais, modificando a noção tradicional de distância e fronteira.
No mundo do trabalho, a sociedade em rede trouxe a economia digital e o trabalho em plataformas. Hoje é comum ouvir falar de trabalho remoto, economia gig (ou de bico) e plataformas como Uber, iFood, Amazon, Airbnb, entre outras. Essas plataformas conectam prestadores de serviço e consumidores por meio de aplicativos, reorganizando setores inteiros (transporte, comércio, hospedagem) em escala mundial. Por um lado, isso cria oportunidades de renda e flexibilidade; por outro, levanta questões sobre precarização do trabalho (falta de direitos trabalhistas tradicionais para motoristas, entregadores etc.) e concentração de poder em grandes empresas de tecnologia.
Castells também discute a emergência de uma cultura de redes, na qual a comunicação mediada pela internet (redes sociais, blogs, fóruns) redefine como a informação é produzida e difundida. Cada pessoa conectada pode ser ao mesmo tempo consumidora e produtora de conteúdo (daí o termo prosumidor). A circulação de poder ocorre de novas formas: movimentos sociais se organizam por redes sociais online, notícias viralizam sem passar pelos veículos tradicionais, e até eleições sofrem influência das campanhas digitais. Como as redes digitais afetam a forma como você aprende, se informa e se relaciona? Te convidamos a refletir sobre os impactos pessoais da sociedade em rede: por exemplo, hoje estudantes podem acessar bibliotecas digitais do mundo todo, mas também enfrentam a dispersão causada pelo excesso de informação; participamos de comunidades virtuais que ampliam nossas vozes, porém lidamos com desafios como fake news e vigilância digital.
Um aspecto importante da sociedade em rede é que ela transforma a própria economia global. A informação se tornou um recurso fundamental – fala-se em economia informacional, na qual conhecimento e dados têm grande valor. Castells ressalta que, na era da informação, o trabalho e a produção estão cada vez mais dependentes de tecnologias avançadas e capacidade de inovação. Países e empresas que dominam tecnologia obtêm vantagens competitivas, ampliando as diferenças com quem não tem acesso a essas redes. Isso traz o risco da exclusão digital: indivíduos e regiões sem acesso à internet ou habilidades digitais ficam marginalizados nessa nova estrutura econômica. Como Castells e outros autores apontam, a exclusão digital pode aprofundar desigualdades já existentes, criando uma divisão entre os “incluídos” e “excluídos” da sociedade informacional. A tecnologia de informação conecta o mundo, mas será que ela aproxima todas as pessoas ou cria também novas divisões? A resposta é complexa: a mesma rede que nos une globalmente pode reforçar disparidades locais. Por isso, discute-se a necessidade de políticas para inclusão digital e uso ético das tecnologias, de modo que a sociedade em rede seja um fator de emancipação e não de opressão.
4. A Economia como Esfera da Vida Social
Até aqui discutimos grandes sistemas e estruturas (capitalismo, globalização, redes digitais). Mas como a economia se relaciona com o nosso cotidiano, com os aspectos culturais e sociais da vida? Essa é a pergunta central da Nova Sociologia Econômica, campo em que autores como Mark Granovetter e Rahel Jaeggi oferecem contribuições importantes. A perspectiva deles é que a economia não está separada da sociedade – pelo contrário, está embrenhada nas relações sociais do dia a dia.
No vídeo abaixo, o filósofo Renato Lessa busca responder a pergunta: As relações sociais são determinadas pela economia?
Granovetter (1985), por exemplo, argumenta que “toda ação econômica é uma relação social”, ou seja, as decisões e comportamentos econômicos de indivíduos e empresas estão imersas em redes de relações e instituições sociais. Esse conceito, conhecido como embeddedness (ou imersão social), quebra a ideia de que o mercado é algo puramente técnico ou impessoal. Pense na busca por um emprego: além de qualificações formais, muitas vezes redes de contato (amizades, indicações familiares) influenciam as oportunidades. Ou considere como a confiança e a cultura moldam os negócios: em algumas comunidades, acordos econômicos ocorrem informalmente, baseados na palavra e na reputação dos envolvidos. Assim, fatores sociais como confiança, reciprocidade, normas culturais e relacionamentos pessoais permeiam as transações econômicas. Que elementos sociais influenciam as escolhas econômicas que você faz diariamente? Por exemplo, ao escolher um lugar para comer, você pode levar em conta recomendações de amigos (relações sociais), não apenas o preço ou a distância.
Seguindo essa linha, Rahel Jaeggi propõe entender a economia como prática social. Em seu ensaio Um conceito amplo de economia: economia como prática social e a crítica ao capitalismo, Jaeggi (2018) sugere que as atividades econômicas fazem parte de “um conjunto de práticas sociais” interligadas que, juntas, constituem uma forma de vida compartilhada. Ou seja, trabalhar, consumir, produzir, trocar bens – tudo isso não ocorre em abstrato, mas dentro de um contexto de valores, hábitos e relações sociais. “As práticas econômicas... são interligadas de formas múltiplas com outras práticas e (junto com elas) fazem parte do tecido sociocultural da sociedade” (JAEGGI, 2018, p. 507-508). Essa visão amplia nosso olhar: economia não é apenas dinheiro ou indicadores como PIB; economia envolve também a maneira como organizamos nosso cotidiano e o que valorizamos enquanto sociedade. Por exemplo, a decisão de uma família sobre onde morar (perto do trabalho? em bairro mais barato porém distante?) envolve tanto cálculo financeiro quanto considerações sobre qualidade de vida, transporte, educação dos filhos – fatores sociais e culturais. Da mesma forma, o acesso à cidade (transporte público, espaços de lazer), à saúde e à mobilidade urbana depende de políticas econômicas e afeta a cidadania. Entender economia como esfera da vida social permite questionar arranjos existentes: por que certos grupos têm acesso precário a bens básicos? Como as relações de consumo moldam nossas identidades (roupas de marca, hábitos alimentares)? Em resumo, o econômico e o social estão profundamente entrelaçados.
Essa abordagem crítica também leva a repensar o capitalismo não só como um sistema econômico, mas como uma forma de vida com características normativas. Jaeggi (2018) argumenta que podemos (e devemos) criticar o capitalismo examinando as práticas e valores que ele promove. Por exemplo, a competição exacerbada e o consumismo são traços culturais do capitalismo contemporâneo que afetam nossos relacionamentos e até nossa saúde mental. A economia é só sobre dinheiro e mercados, ou também envolve cultura, valores e relações do cotidiano? Essa pergunta resume a provocação feita por Jaeggi e pela Nova Sociologia Econômica: que vejamos a economia não como uma “caixa preta” intocável, mas como algo criado por nós, que molda e é moldado pela sociedade, e portanto sujeito a escolhas e mudanças.
5. Conclusão
Ao articular os temas discutidos – sistemas econômicos (capitalismo e seus rivais), economia global, sociedade em rede e a economia no cotidiano –, percebemos que a economia organiza o mundo em que vivemos em múltiplos níveis. Das grandes instituições internacionais ao uso cotidiano de um aplicativo de transporte, das teorias de Marx às redes sociais digitais, há um fio condutor: a economia é uma construção humana, imersa em valores e relações, que pode tomar diferentes formas conforme as escolhas da sociedade.
Diante disso, qual seria nosso papel na construção de um futuro mais justo? É fundamental uma reflexão crítica: entender o passado e o presente dos sistemas econômicos nos dá ferramentas para imaginar alternativas. Como podemos repensar práticas econômicas e sociais de modo mais inclusivo, cooperativo e sustentável? Não há resposta simples, mas há caminhos. Inclusão pode significar políticas que reduzam a desigualdade e garantam oportunidades dignas para todos (educação de qualidade, saúde acessível, combate à pobreza). Cooperação pode se refletir no incentivo a cooperativas e iniciativas de economia solidária, em que trabalhadores e comunidades participam coletivamente dos empreendimentos, dividindo decisões e benefícios. Sustentabilidade, por sua vez, exige alinhar a economia com os limites ecológicos do planeta – repensando modos de produção e consumo para mitigar as mudanças climáticas e preservar recursos naturais para as próximas gerações.
Vivemos hoje em um mundo conectado e globalizado. Isso significa que temos acesso a um volume imenso de informação e também de novos meios de ação. Mobilizações por meio de redes, consumo consciente, empreendedorismo social, ciência e tecnologia a serviço do bem comum – todas essas são formas pelas quais podemos influenciar o rumo da economia e, inevitavelmente, sermos influenciados por ela.
Em uma entrevista clássica para a série Humanos, Pepe Mijuca fala sobre a Apologia da Sobriedade e sobre o tempo de vida que nós gastamos para adquirir coisas. Assista e reflita.
É importante lembrar que sistemas econômicos não são imutáveis: o capitalismo de hoje não é idêntico ao de cem anos atrás, e nada impede que evolua ou dê lugar a algo novo se houver vontade coletiva. Como afirma Castells (1999), a comunicação em rede está redefinindo poder e participação; Jaeggi (2018) nos lembra que a economia faz parte de nossa forma de vida e portanto pode ser transformada; e Granovetter (1985) mostra que as relações de confiança e solidariedade importam tanto quanto contratos formais. Que economia queremos para organizar o mundo em que vamos viver amanhã? Essa pergunta final deixa em aberto o convite à reflexão e à ação: cabe a cada geração analisar criticamente o presente e, de forma criativa e ética, construir práticas econômicas e sociais mais inclusivas, cooperativas e sustentáveis.
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Referências
BRANCO, Marcelo. Softwate livre e Desenvolvimento Social e Econômico. In: A sociedade em rede: Do conhecimento à acção política. Belém: Impressa Nacional - Casa da Moeda. 2005
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: Do conhecimento à acção política. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
JAEGGI, Rahel. Um conceito amplo de economia: economia como prática social e a crítica ao capitalismo. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 18, n. 3, p. 503-522, 2018.
GRANOVETTER, Mark. Economic action and social structure: the problem of embeddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.