
Introdução aos Agentes Internacionais
Os agentes internacionais são todos os atores que atuam no cenário mundial – desde Estados soberanos até organismos intergovernamentais, empresas multinacionais e organizações não governamentais (ONGs). Em outras palavras, não apenas os países, mas também entidades multilaterais como a ONU, a OTAN, a UNESCO, o Mercosul, grandes corporações e ONGs compõem o conjunto de atores que influenciam as relações internacionais. Cada um desses agentes opera em um sistema de interdependência complexa, pode tomar decisões e exercer pressões que transcendem fronteiras, impactando políticas internas de outros países e a vida de suas populações.
A disputa pela hegemonia global
No contexto atual, observamos uma disputa acirrada pela hegemonia global. Os Estados Unidos, potência dominante desde o fim da Guerra Fria, veem sua liderança econômica e cultural ameaçada pela ascensão de novas potências como a China e a reemergência geopolítica da Rússia, além do fortalecimento de blocos como o BRICS (grupo de economias emergentes). Como resposta, o governo norte-americano tem adotado medidas enérgicas para manter sua influência: durante o segundo governo Donald Trump, por exemplo, a política externa dos EUA assumiu uma postura “mais agressiva, unilateral e histérica” na busca de manter a supremacia internacional (Diplomatique, 2025). Essa postura inédita se traduziu em pressões diretas sobre diversos países, inclusive o Brasil, por meio de sanções econômicas, isolamento diplomático e exigências de alinhamento político. Neste mesmo ano, Trump chegou a impor tarifas e sanções políticas contra o Brasil, combinando sobretaxas comerciais com punições político-ideológicas a autoridades brasileiras, sob justificativas controversas (como a alegação de “perseguição, censura, caça as bruxas” do então aliado Jair Bolsonaro). Tais ações sinalizaram uma interferência inédita em questões internas brasileiras, evidenciando como os interesses domésticos norte-americanos foram projetados sobre decisões soberanas de outro país.
Vale notar que essas intervenções frequentemente são justificadas pelos EUA em nome de princípios nobres, como defesa da liberdade e da democracia. Discursos oficiais mencionam liberdade de expressão, soberania nacional e segurança/defesa para embasar medidas duras no campo internacional. Na prática, porém, essa instrumentalização de valores universais para fins geopolíticos lembra a antiga Doutrina Monroe: os EUA buscam preservar sua influência limitando a presença de potências rivais, principalmente, em países da América Latina, pois os norte-americanos veem os países latino-americanos como parte do seu "quintal" (BBC News Brasil, 2025). Em outras palavras, ao mesmo tempo em que pregam soberania, acabam tolhendo a soberania alheia ao impor limites à atuação de outros países (como China ou Rússia) nessas regiões. O reflexo disso tem sido uma crescente polarização tanto na política internacional quanto nas políticas internas de países alvo dessa disputa.
De um lado, configura-se uma espécie de “nova Guerra Fria” econômica e ideológica: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul promovem uma nova ordem multipolar – apoiando iniciativas como a expansão do BRICS – enquanto os EUA tentam retomar sua posição de potência absoluta global (Agenzia, 2025). De outro lado, essa rivalidade global repercute dentro das nações, dividindo opiniões públicas e pautas políticas. No Brasil, por exemplo, o alinhamento ou resistência às agendas norte-americanas e chinesas gera debates acalorados sobre soberania e modelos de desenvolvimento. Líderes políticos brasileiros podem associar-se a aliados ideológicos externos, retroalimentando clivagens internas. Foi o que se viu quando setores da extrema-direita brasileira, em conflito com instituições nacionais (como o STF), buscaram apoio de figuras nos EUA – caso de parlamentares republicanos e até empresários como Elon Musk – sob a retórica de combater um pretenso “autoritarismo” no Brasil (Apública, 2025). Esse entrelaçamento entre agendas internas e externas demonstra que disputas geopolíticas globais influenciam diretamente as narrativas políticas domésticas, chegando a impactar eleições e políticas públicas. Em suma, vivemos num mundo em que as fronteiras entre o externo e o interno são tênues: a guerra pela hegemonia global se reflete em debates culturais e escolhas eleitorais nacionais, desafiando cada país a reagir e se posicionar.
Organismos Multilaterais e seu impacto nas Políticas Nacionais
Agora, precisamos compreender como as decisões tomadas em organismos internacionais multilaterais frequentemente afetam as políticas internas de todos os países e, consequentemente, a vida cotidiana das sociedades, afinal de contas, vivemos em um mundo globalizado e conectado. Abaixo, destacamos alguns exemplos concretos desse fenômeno:
Educação: UNESCO e OCDE
Organismos como a UNESCO orientam políticas educacionais globais. Desde 1946, a UNESCO teve “influência determinante” na formulação e avaliação de políticas educacionais em diversos países latino-americanos (CRUZ e SAAVEDRA, 2009), promovendo conceitos como educação para todos, qualidade e currículo baseado em competências para o século XXI. A UNESCO, através de documentos como "Educação 2030" (UNESCO, 2016), estabelece diretrizes globais que influenciam diretamente as políticas educacionais brasileiras. A ênfase em competências e habilidades, presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), reflete essas orientações internacionais.
Em paralelo, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) avalia os sistemas de ensino por meio de exames como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Os resultados comparativos do PISA exercem forte pressão sobre os governos: “há quase duas décadas, o PISA […] tem o poder de derrubar ministros, determinar mudanças em políticas públicas, gerar manchetes alarmantes” (CNTE, 2019). Ou seja, um desempenho ruim no PISA frequentemente leva países a reformar currículos, investir em formação de professores e adotar agendas educacionais globais focadas em competências e habilidades – tudo para melhorar sua posição no ranking internacional.
Saúde: OMS e a Experiência da COVID-19
Na área da saúde, as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) guiam respostas nacionais a crises sanitárias. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, a OMS recomendou medidas como distanciamento social, uso de máscaras e restrição de viagens. Muitos países seguiram essas orientações, incorporando-as em decretos e políticas internas. Como observou o professor Ulysses Panisset (ex-OMS), países que acataram recomendações como uso de máscara e distanciamento conseguiram controlar melhor o número de casos (Medicina UFMG, 2020).
No Brasil, embora tenha havido debates políticos e ideológicos acerca das medidas, Estados e municípios basearam grande parte de suas ações nas diretrizes da OMS (lockdowns, quarentenas, campanhas de vacinação), impactando diretamente a rotina da população (fechamento de escolas, uso obrigatório de máscaras, etc.). Esse exemplo ilustra como decisões técnicas de um organismo internacional repercutem no cotidiano de bilhões de pessoas, salvando vidas mas também impondo sacrifícios sociais de curto prazo em nome de um bem maior para a humanidade.
Economia: OMC, BRICS e Mercosul
As regras do comércio internacional e acordos econômicos multilaterais afetam preços, empregos e oportunidades. A Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, estabelece normas que os países devem seguir em suas políticas comerciais (tarifas, subsídios), limitando certas decisões econômicas soberanas em prol de um mercado mais aberto. Já blocos regionais como o Mercosul e iniciativas como o BRICS têm impacto direto na vida econômica dos cidadãos, e busca criar mecanismos de cooperação entre países em desenvolvimento, incluindo o Novo Banco de Desenvolvimento, desafiando a hegemonia do FMI e Banco Mundial.
No Mercosul, a assinatura do Acordo de Residência (2002) visou implementar a livre circulação de pessoas entre os países-membros. Esse acordo garante que cidadãos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai possam ingressar, residir e trabalhar em qualquer Estado-parte do bloco com relativa facilidade (Migalhas, 2003). Trata-se de uma decisão internacional que ampliou a mobilidade laboral e acadêmica dos sul-americanos, oferecendo novas oportunidades (e desafios) ao permitir, por exemplo, que um brasileiro trabalhe na Argentina ou um argentino estude no Brasil sem burocracias excessivas. Essa liberdade de circulação reflete na vida cotidiana: famílias transnacionais, migrações em busca de emprego e até no turismo regional.
Por outro lado, alianças econômicas maiores – como a ampliação recente do BRICS+ – buscam alterar estruturas de poder econômico (como a dependência do dólar), o que pode influenciar inflação, taxa de câmbio e investimentos no Brasil a longo prazo.
Segurança: OTAN e Conflitos Contemporâneos
No campo militar e de segurança, as decisões de alianças como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) também têm reflexos globais. A guerra entre Rússia e Ucrânia é um exemplo: a OTAN (influenciada fortemente pelos EUA) optou por apoiar militarmente a Ucrânia e coordenar sanções econômicas maciças contra a Rússia, medidas essas seguidas pela União Europeia e aliados.
Essas sanções internacionais – como restrições comerciais e financeiras – tiveram impacto no preço dos combustíveis, fertilizantes e alimentos em todo o mundo, afetando inclusive o bolso dos brasileiros. Além disso, a OTAN chegou a alertar países como Brasil, Índia e China de que poderiam enfrentar duras sanções caso mantivessem seus níveis de comércio com a Rússia no contexto do conflito (CNN News Brasil, 2025). Esse aviso, feito em 2025, demonstra de forma explícita como uma decisão tomada por potências estrangeiras (aplicar ou não sanções) pode condicionar políticas externas e econômicas do Brasil, influenciando desde a diplomacia (pressão por alinhamento) até o agronegócio brasileiro (dependente de fertilizantes russos, por exemplo).
De maneira semelhante, conflitos em outras regiões – como as tensões no Oriente Médio (Israel-Palestina) – podem levar a resoluções da ONU ou ações de coalizões internacionais que repercutem no Brasil (seja na forma de fluxos migratórios de refugiados, oscilações no preço do petróleo, ou dilemas diplomáticos sobre posicionamentos em votações na ONU). Em resumo, nenhum país está imune: decisões tomadas em organismos multilaterais ou alianças refletem-se em bens disponíveis no supermercado, na segurança energética e até na liberdade de ir e vir dos cidadãos comuns.
Big Techs, Redes Sociais e a Guerra Cultural Digital
No mundo digital globalizado, um dos debates centrais gira em torno da liberdade de expressão e do poder de influência das Big Techs (as grandes empresas de tecnologia, como Meta/Facebook, Google, X/Twitter etc.) na vida das pessoas.
Para compreender a influência desses agentes internacional no âmbito digital, é fundamental distinguir conceitos essenciais, dentre eles: A liberdade de expressão que pode ser dividida em duas: irrestrita ou ilimitada e a consentida; a influência e a manipulação, dentre outros.
A liberdade de expressão irrestrita caracteriza-se pela ausência de limitações legais ao discurso, permitindo manifestações de qualquer natureza, modelo predominante nos Estados Unidos sob a proteção da Primeira Emenda. Já a liberdade de expressão consentida estabelece limites jurídicos para proteger direitos fundamentais e a dignidade humana, conforme previsto no artigo 5º da Constituição Federal brasileira (BRASIL, 1988). Ou seja, liberdade de expressão irrestrita, típica do modelo americano, e defendida pelas Big Techs americanas, colide com frameworks jurídicos de outros países, como o Brasil. No ambiente digital, essa tensão se intensifica. Já liberdade consentida, adotada no Brasil e Europa, estabelece limites para proteger direitos fundamentais, mas enfrenta resistência das plataformas digitais que operam sob jurisdição americana e manipulam o discurso político dos demais países para evitar regulamentações na busca incessante pelo lucro e pela desestabilização política desses países em uma guerra cultural globalizada.
Portanto, nos Estados Unidos, vigora uma tradição jurídica e cultural de liberdade de expressão quase absoluta, e com isso, discurso de ódio, desinformação, neonazismos, racismos, preconceitos, pornografia e outros conteúdos ofensivos geralmente não são ilegalizados per se, sob o argumento de proteger o debate livre. Empresários do setor de tecnologia, como Mark Zuckerberg (Meta) e Elon Musk (dono do X), têm se posicionado publicamente contra regulações mais firmes de conteúdo, ecoando o discurso de que qualquer moderação excessiva equivaleria a “censura”.
Em janeiro de 2025, por exemplo, Zuckerberg anunciou que a Meta passaria a adotar uma postura mais permissiva nos EUA, com menos remoção de conteúdo “ruim”, e afirmou contar com o apoio do governo norte-americano para pressionar países que, segundo ele, “censuram demais” as redes. Nesse anúncio, ele chegou a atacar tribunais latino-americanos (inclusive brasileiros) que ordenam retirada de conteúdos ilegais, qualificando-os como “tribunais secretos” e pregando alinhamento com a visão de Trump em defesa de uma liberdade de expressão sem restrições (Apública, 2025).
Essa visão ultra-libertária – na qual as plataformas não imporiam quase nenhum limite aos usuários – não é compartilhada pela maioria dos países. No Brasil e União Europeia, por exemplo, vigoram leis como o (Marco Civil da Internet e LGPD - Brasil e GDPR - Europa) recentes que “institucionalizam a moderação”, obrigando as Big Techs a removerem discursos de ódio, conteúdo terrorista e desinformação, sob pena de multas severas (Apública, 2025). A Europa adota o princípio de que a liberdade de se expressar coexiste com responsabilidades e limites legais (como a proteção contra difamação, racismo, incitação à violência etc.). Assim, enquanto nos EUA prevalece a ideia de “mais discurso como remédio para o mau discurso”, no Brasil e Europa entende-se que alguns discursos devem ser contidos para resguardar outros direitos fundamentais. Esse contraste acirrou uma “guerra cultural” nas redes: de um lado, ativistas e políticos de direita nos EUA (e seus aliados internacionais) bradam contra qualquer moderação, sob o slogan da anti-censura; de outro, governos e sociedade civil em várias democracias buscam responsabilizar as plataformas, empresas e pessoas pelos conteúdos nocivos que elas veiculam ou permitem veicular livremente sem qualquer moderação.
Não obstante, cabe destacar que os conceitos de influência e manipulação não são sinônimos e sua diferença merece destaque. Enquanto a influência, pode ser positiva ou negativa mas preserva a capacidade decisória do indivíduo, a manipulação, utiliza técnicas psicológicas e emocionais para direcionar comportamentos sem o consentimento consciente das pessoas, especialmente através de algoritmos e técnicas de engenharia social. Todavia, no ambiente digital a definição destes conceitos se torna confusa e abre brechas para disseminação de conteúdos perigosos, golpes e crimes digitais.
Vale destacar que a influência através das redes sociais pode ser benéfica – por exemplo, permitindo que indivíduos acessem diversas fontes de informação, aprendam sobre novos pontos de vista e se organizem politicamente. Um caso emblemático foi a Primavera Árabe (2010-2011), em que as redes sociais desempenharam um papel importante na mobilização e compartilhamento de informações, ajudando milhões de pessoas a exigir direitos e derrubar regimes autoritários em países árabes (Tunísia, Egito, Líbia, Iémen, Síria e Bahrein e agitações em outros países). Por outro lado, a influência também pode ter um lado negativo ou perverso: plataformas digitais, guiadas por algoritmos que priorizam engajamento, podem amplificar conteúdo extremo ou falso, inclinando opiniões e comportamentos de forma sutilmente manipulativa.
É importante destacar que a manipulação ocorre quando alguém (ou um sistema algorítmico) deliberadamente distorce informações ou usa técnicas psicológicas para induzir ações e emoções no público, tirando proveito de vulnerabilidades pessoais. Usuários com menor letramento midiático ou maior fragilidade emocional são geralmente as maiores vítimas – são pessoas que podem ter dificuldade em lidar racionalmente com informações tendenciosas, sucumbindo mais facilmente a teorias conspiratórias, discursos de ódio ou mesmo golpes virtuais.
Estudos e investigações recentes escancaram esse fenômeno. As Big Techs possuem modelos de negócio baseados em retenção da atenção e dados pessoais: para lucrar com anúncios, algoritmos de redes sociais muitas vezes privilegiam conteúdos que prendem a atenção do usuário, ainda que sejam tóxicos ou enganosos. Como mostrou a denúncia do influenciador Felca no Brasil, essas plataformas podem impulsionar bizarrices criminosas – como a sexualização infantil – bem como discursos de ódio, mentiras, teorias conspiratórias e violência, tudo em prol de manter usuários engajados por mais tempo (Intercept Brasil, 2025). Trata-se de uma manipulação algorítmica: o sistema amplifica o que choca ou enfurece, pois isso gera cliques e compartilhamentos, criando um ciclo vicioso onde os autores de conteúdos extremos também lucram (via monetização) e assim têm incentivo para produzir mais. O resultado é nocivo à sociedade: normalização de ideias radicalizadas, degradação do debate público, danos à saúde mental (ansiedade, polarização, sensação de insegurança) e até riscos reais, como violência motivada por desinformação ou casos de assédio e exploração de menores.
O Caso META e a Lei de Adultização no Brasil
O vácuo regulatório durante muitos anos permitiu que as plataformas escapassem de responsabilidade. Porém, casos dramáticos estão levando países a reagir. No Brasil, o já citado influenciador Felca expôs, em 2025, uma rede de criação de vídeos que exploravam a sexualização infantil nas redes – conteúdo horrendo que estava disponível livremente e até recomendado por algoritmos, acumulando milhões de visualizações. A repercussão levou o Congresso a priorizar um projeto de lei para proteger crianças na internet (apelidado de “PL da Adultização” ou “ECA Digital”). Entretanto, descobriu-se que as Big Techs, em especial a Meta (controladora do Facebook, Instagram e WhatsApp), movimentaram-se nos bastidores para esvaziar a proposta. Um lobista da Meta no Brasil redigiu emendas parlamentares que tentavam afrouxar a regulação, eliminando obrigações das plataformas em reportar e remover conteúdo ilícito (Intercept Brasil, 2025). Essas emendas foram apresentadas por deputados alinhados à extrema-direita e ao discurso das Big Techs, e a justificativa usada era a defesa da “liberdade de expressão” e o combate à suposta “censura”. Essencialmente, argumentava-se que exigir moderação e transparência das plataformas violaria a liberdade de expressão dos usuários. Felizmente, após pressão da sociedade (inclusive de mais de 200 entidades de defesa da infância) e ampla cobertura da mídia, o núcleo do projeto avançou no Congresso – rejeitando as manobras do lobby – para finalmente responsabilizar as plataformas por proteger crianças e adolescentes online
O exemplo acima ilustra a “guerra híbrida” no campo informacional: corporações e grupos políticos transnacionais difundem narrativas de influência dentro de outros países para moldar leis e opiniões a seu favor. Os EUA, como visto, exportam a retórica da liberdade irrestrita nas redes para resistir à regulação estrangeira (a própria Meta declarou alinhamento com o governo americano nesse esforço). Rússia e China, por sua vez, também empregam as redes para seus propósitos estratégicos, ainda que de modo distinto – frequentemente divulgando desinformação e propaganda direcionada para semear divisões e enfraquecer adversários. Autoridades da OTAN classificaram a tática russa de espalhar fake news e teorias conspiratórias como “a mais incrível guerra de informação (blitzkrieg) que já vimos”, capaz de moldar a opinião pública interna e externa de países-alvo (Gazeta do Povo, 2019). Esse tipo de guerra híbrida usa notícias falsas, bots automatizados e perfis falsos para criar narrativas divisivas em todos os tipos de sociedades (democráticas ou autoritárias) – explorando exatamente as brechas proporcionadas por uma liberdade de expressão mal regulada.
Ficou famoso o caso da Cambridge Analytica, empresa de marketing político que utilizou indevidamente dados de milhões de usuários do Facebook para influenciar votos no referendo do Brexit (Reino Unido, 2016) e nas eleições norte-americanas de 2016. Segundo denunciantes, essas campanhas digitais segmentadas foram decisivas para o resultado do Brexit e a vitória de Donald Trump (El País, 2018), revelando como a manipulação algorítmica de preferências pode redesenhar o destino de nações.
Diante de tudo isso, cabe perguntar: como as decisões de agentes internacionais afetam a vida cotidiana dos brasileiros? A soberania nacional pode ser protegida diante das pressões globais? De que forma?
Reflexão Crítica e Conclusão
As discussões acima demonstram que nenhum país é uma ilha no mundo globalizado. As decisões tomadas por agentes internacionais – sejam potências hegemônicas, organizações multilaterais ou empresas gigantes de tecnologia – afetam diretamente o cotidiano das pessoas. Essas influências manifestam-se de múltiplas formas: no preço dos combustíveis e alimentos (quando há guerras ou sanções lá fora), na qualidade da educação dos nossos jovens (moldada por padrões e avaliações globais), nas políticas de saúde (orientadas por diretrizes científicas internacionais), no emprego e renda (conforme acordos comerciais e cadeias produtivas mundiais) e até no campo das ideias e valores (através do fluxo de informações e das redes sociais). Em resumo, decisões globais reverberam localmente – da capital Brasília aos municípios do interior do Brasil.
Proteger a soberania nacional nesse contexto é um desafio complexo. Significa, em essência, manter a capacidade de tomar decisões autônomas de acordo com os interesses do povo brasileiro, mesmo em face de pressões ou influências externas. Uma soberania absoluta talvez seja inviável no século XXI – afinal, estamos interconectados por tratados, comércio e comunicação instantânea. No entanto, é possível conciliar a integração internacional com a defesa do interesse nacional. Para isso, o Brasil precisa atuar com estratégia e assertividade em duas frentes complementares:
1. Fortalecimento interno: É fundamental robustecer as instituições domésticas – governo, parlamento, judiciário, órgãos reguladores e sociedade civil – de modo que elas tenham massa crítica e competência técnica para filtrar as influências externas. Isso implica investir em educação e ciência, para que tenhamos expertise local e não dependamos apenas de narrativas importadas (seja no combate à desinformação digital, seja na formulação de políticas econômicas). Implica também aprimorar nossas leis (por exemplo, leis de proteção de dados, de segurança cibernética, de defesa da concorrência) para lidar com atores transnacionais, garantindo que empresas estrangeiras e plataformas atuem aqui respeitando nossas regras e valores. Transparência e accountability são aliados: se o processo decisório nacional for aberto e embasado em evidências, fica mais difícil para lobbies ocultos influenciarem nas sombras as nossas decisões. Além disso, uma população bem informada e engajada politicamente funciona como “anticorpos democráticos” contra narrativas manipuladoras – daí a importância de incentivar o letramento midiático e digital dos cidadãos, desde a escola, para que todos saibam identificar fake news e pensar de forma crítica.
2. Engajamento externo inteligente: Ao invés de isolar-se, o Brasil deve participar ativamente dos fóruns internacionais, mas com postura soberana. Isso significa buscar protagonismo em negociações multilaterais – por exemplo, defendendo nossos interesses na OMC, na ONU, no Mercosul, no BRICS, ao mesmo tempo em que construímos pontes diplomáticas com diversos parceiros. Uma lição valiosa é diversificar as alianças: não depender exclusivamente de um bloco ou superpotência. A recente ampliação do BRICS e a aproximação com parceiros do Sul Global, por exemplo, pode dar ao Brasil mais opções e poder de barganha frente aos EUA e UE (Diplomatique, 2025). Do mesmo modo, manter boas relações regionais (América Latina) fortalece a posição brasileira em pautas comuns e reduz vulnerabilidades. Em termos práticos, proteger a soberania passa também por firmar acordos claros: por exemplo, exigir contrapartidas tecnológicas em compras militares, negociar participação local em empresas estrangeiras que exploram nossas riquezas, ou condicionar a adoção de padrões internacionais às adaptações que respeitem a realidade brasileira. Essa diplomacia assertiva – muitas vezes chamada de pragmatismo responsável – foi marca da política externa brasileira em diversos momentos, e mostra-se ainda mais necessária hoje.
Em síntese, a soberania nacional não é um escudo estático, mas sim um conjunto de capacidades dinâmicas que o Brasil precisa continuamente aprimorar. Vivemos sob influências globais inevitáveis; cabe-nos transformá-las em influências benéficas (como acesso a conhecimento, comércio justo, cooperação no desenvolvimento) e mitigar aquelas prejudiciais (ingerências políticas, assimetrias econômicas, fluxos ilícitos de informação). Com instituições sólidas, povo instruído e atuação estratégica no concerto das nações, o Brasil pode, sim, proteger seus interesses e valores essenciais. Afinal, soberania no século XXI significa ter voz e vez no mundo, sem abdicar do direito de escolher nosso próprio caminho – um caminho que equilibre abertura com proteção, liberdade com responsabilidade, e influência externa com autodeterminação.
Como referenciar este texto:
Blog do Lab de Educador. O papel dos Agentes Internacionais e os reflexos na sociedade. Zevaldo Sousa. Publicado em 14/09/2025. Disponível em <https://blog.labdeeducador.com.br/2025/09/o-papel-dos-agentes-internacionais-e-os-reflexos-na-sociedade.html.html>. {codeBox}
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Referências
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SCFIELD, Laura. Meta se alinha a Trump, mira Justiça latina e facilita fake news sob bandeira anticensura. Agência Pública. (7 jan. 2025). Acessado em 11 de set. 2025.
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