Em tempos de incertezas sociais, econômicas e políticas, falar sobre políticas públicas e cidadania é mais do que uma necessidade: é um compromisso com o fortalecimento da democracia e com a garantia de condições mínimas para que todos possam viver com dignidade. As políticas públicas são instrumentos fundamentais através dos quais o Estado busca garantir direitos e promover o bem-estar coletivo. Elas se materializam em ações organizadas, planejadas e executadas para atender demandas da população em áreas como saúde, educação, segurança, assistência social, cultura, meio ambiente e, mais recentemente, no campo da tecnologia e inovação (SOUZA, 2006).
A cidadania, nesse contexto, não pode ser vista apenas como o direito ao voto. Conforme T. H. Marshall (1967), um dos principais teóricos sobre o tema, a cidadania se estrutura em três dimensões: civis, como o direito à liberdade de expressão; políticas, como o direito ao voto e à participação institucional; e sociais, como o direito à educação, à saúde e à seguridade. Assim, para além do ato de eleger representantes, o exercício pleno da cidadania implica em conhecer e reivindicar direitos, participar da construção das decisões públicas, engajar-se em debates comunitários e cobrar sua efetivação junto às instituições democráticas.
A atuação do Estado, portanto, deve se organizar em torno de políticas públicas que promovam igualdade, inclusão e justiça social. Contudo, observa-se com frequência a ausência de políticas eficientes ou a existência de ações que, mesmo planejadas, não são devidamente implementadas, sobretudo para os grupos historicamente marginalizados da sociedade. Entre esses grupos, destacam-se os povos indígenas, a população negra, as comunidades ribeirinhas, os moradores das periferias urbanas, as pessoas com deficiência e aquelas em situação de rua.
Essa lacuna estrutural revela o quanto o projeto de cidadania no Brasil permanece incompleto e desigual, o que exige um compromisso renovado com a equidade e com o fortalecimento dos mecanismos de participação social. Soma-se a isso a fragmentação das políticas públicas, a descontinuidade administrativa entre governos e a carência de planejamento estratégico integrado, que dificultam o avanço de ações verdadeiramente estruturantes e sustentáveis em nível nacional, estadual e municipal.
Mas qual o papel do cidadão frente a isso? A participação social é uma ferramenta transformadora e indispensável para a construção de uma sociedade mais justa. Seja por meio de conselhos, audiências públicas, manifestações, organizações não governamentais, coletivos culturais ou mobilizações digitais, o cidadão deve ser ator protagonista na formulação e no monitoramento das políticas públicas. Como destaca Abramovay (2002), não há transformação social sem a ação coletiva e consciente dos indivíduos. A cidadania ativa é aquela que reivindica, propõe, fiscaliza e educa para a democracia, promovendo uma cultura de responsabilidade coletiva.
Na área da educação, por exemplo, políticas públicas como o Plano Nacional de Educação (PNE), os programas de alfabetização de jovens e adultos, a universalização do ensino fundamental e médio, bem como a ampliação das vagas no ensino superior, representam avanços importantes. No entanto, ainda enfrentam desafios estruturais como o subfinanciamento, a privatização e a terceirização, a desvalorização docente, a evasão escolar e a desigualdade no acesso e na permanência. A educação, além de um direito fundamental, é também ferramenta crítica para a construção da cidadania plena, pois permite o acesso à informação, à consciência de direitos e à construção de sujeitos críticos e transformadores (FREIRE, 1987).
Apesar dos avanços, muitos obstáculos persistem: falta de continuidade das políticas entre governos, burocracia excessiva, corrupção, ausência de dados confiáveis, baixa articulação entre os entes federativos e a invisibilidade de demandas locais. Esses desafios comprometem a efetividade das ações públicas, geram desperdício de recursos e minam a confiança da população no Estado e nas instituições democráticas.
Um novo elemento que emerge neste debate é a cidadania digital. Com o crescimento do acesso à internet e das redes sociais, a população tem utilizado a tecnologia para mobilizar causas, pressionar gestores, denunciar irregularidades, fiscalizar gastos públicos e propor soluções coletivas. A cultura digital amplia os espaços de participação, mas também exige educação midiática, alfabetização digital e pensamento crítico, para que o cidadão não apenas consuma informação, mas compreenda, questione e atue sobre ela de forma ética, responsável e transformadora.
Por fim, é essencial reafirmar que políticas públicas não são favores: são direitos conquistados por meio da luta social e da ação política organizada e devem estar disponíveis para todos, especialmente para os que mais precisam. E mais: não há cidadania sem participação. Somente com o engajamento ativo da sociedade civil, com a presença crítica nos espaços de decisão e com a valorização da diversidade é possível construir uma nação mais justa, inclusiva, ética e verdadeiramente democrática.
Referências (Norma ABNT NBR 6023:2018)
- ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO; BID, 2002. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000127138. Acesso em: 25 maio 2025.
- DRAIBE, Sônia Miriam. As políticas sociais nos anos 1990. Santiago: CEPAL, 1999. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/ecr/col093/31357.html. Acesso em: 25 maio 2025.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
- MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Disponível em: https://adm.ufersa.edu.br/wp-content/uploads/sites/18/2014/10/Marshall-Cidadania-Classe-Social-e-Status1.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.
- SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, jul./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/soc/a/6YsWyBWZSdFgfSqDVQhc4jm/?lang=pt. Acesso em: 25 maio 2025.