As relações sociais em contextos interétnicos revelam, no Brasil, a persistência de desigualdades históricas que foram consolidadas ao longo de séculos de dominação, escravidão e exclusão. Essa herança colonial moldou profundamente a forma como diferentes grupos étnico-raciais se relacionam no país, gerando tensões sociais que se atualizam e se manifestam de formas diversas no cotidiano. A convivência entre esses grupos tem sido marcada por uma assimetria estrutural que posiciona populações negras e indígenas em situação de desvantagem socioeconômica, cultural e política, dificultando o acesso igualitário a direitos e oportunidades.
Segundo Silvio Almeida (2018), o racismo estrutural não deve ser compreendido como um conjunto de atitudes individuais, mas como um sistema enraizado nas práticas institucionais e nas relações sociais cotidianas. Trata-se de um fenômeno que perpassa o funcionamento do Estado, do mercado de trabalho, da educação, da saúde e do sistema de justiça, promovendo a reprodução de desigualdades raciais independentemente da intenção consciente dos indivíduos. Esse sistema se expressa também na linguagem, na representação midiática, nos espaços de poder e nos conteúdos escolares, contribuindo para naturalizar e perpetuar estereótipos e preconceitos.
A emergência do capitalismo moderno, articulada ao colonialismo europeu, teve papel decisivo na consolidação do racismo como instrumento de dominação e acumulação. Como argumenta Cedric J. Robinson (2000), o capitalismo racial não apenas explorou populações colonizadas, mas também naturalizou hierarquias raciais para justificar a escravidão e a espoliação de territórios. No Brasil, essa lógica se materializou na escravidão de africanos e na marginalização de indígenas, cuja força de trabalho foi sistematicamente utilizada para sustentar a economia colonial e, posteriormente, o desenvolvimento industrial e urbano. Assim, o racismo estrutural não é apenas um fenômeno cultural ou institucional, mas também econômico, intimamente ligado à forma como o capital se organiza e se reproduz em sociedades desiguais.
Historicamente, o Brasil construiu sua identidade nacional sob a ideologia da "democracia racial", que mascara os conflitos étnico-raciais ao negar a existência de racismo. No entanto, dados do IBGE (2022) revelam que a população negra é a mais afetada pelo desemprego, pela violência policial e do sistema jurídico e pelo acesso precário a serviços essenciais. Essa condição evidencia que, apesar da aparente igualdade formal, o Brasil vive um apartheid social que segrega e marginaliza populações racializadas. Os povos indígenas, por sua vez, sofrem com a negação de seus direitos territoriais, culturais e linguísticos, enfrentando constantes violações por parte do Estado e da sociedade, inclusive através da violência institucional e da omissão estatal diante de conflitos fundiários e ambientais.
Vale destacar que o racismo é amplificado por outras dimensões. A interseccionalidade — conceito trabalhado por autoras como Kimberlé Crenshaw (2002) — ajuda a compreender como as dimensões de gênero, classe e sexualidade se entrecruzam com o racismo, agravando os impactos da exclusão para mulheres negras, pessoas LGBTQIAPN+ negras e indígenas, entre outros grupos. Ao reconhecer que essas opressões não atuam isoladamente, mas se somam e se potencializam, ganha-se um olhar mais sensível e completo sobre a dinâmica da desigualdade no Brasil.
Conflitos interétnicos no cenário internacional
Conflitos interétnicos e guerras envolvendo etnias distintas ocorrem em diversas partes do mundo e têm como causas principais a disputa por território, a negação de identidades culturais, desigualdades históricas e a imposição de sistemas de domínio político ou religioso. Um dos exemplos mais emblemáticos é o genocídio de Ruanda (1994), quando o conflito entre os grupos étnicos hutus e tutsis levou à morte de aproximadamente 800 mil pessoas em apenas cem dias, em um contexto de tensões alimentadas por décadas de colonização europeia e discriminação racial institucionalizada (PRUNIER, 1997).
Outro caso significativo é o conflito étnico-religioso na região de Darfur, no Sudão, que desde o início dos anos 2000 resultou em milhares de mortes e milhões de deslocados internos, em razão de perseguição do governo sudanês contra grupos não árabes (DE WAAL, 2007). Na Bósnia, nos anos 1990, o colapso da Iugoslávia desencadeou uma série de guerras com forte componente étnico entre sérvios, croatas e bósnios muçulmanos, culminando no massacre de Srebrenica em 1995, reconhecido como genocídio pela ONU.
Na atualidade, também se observa o caso dos rohingyas em Mianmar, uma minoria muçulmana perseguida pelo governo birmanês, resultando em limpeza étnica e crises humanitárias denunciadas por organismos internacionais como a Human Rights Watch (2021). Outro caso que podemos citar é o de Conflito Israel-Palestina. Esse caso representa um dos conflitos mais prolongados e complexos do mundo contemporâneo. Desde a criação do Estado de Israel em 1948, a população palestina tem enfrentado deslocamentos forçados, ocupações territoriais e bloqueios econômicos. A disputa envolve não apenas questões territoriais e religiosas, mas também o não reconhecimento mútuo de direitos nacionais, sendo marcada por episódios de violência recorrente e por fracassadas tentativas de mediação internacional. A população palestina, especialmente na Faixa de Gaza, vive sob severas restrições de mobilidade, infraestrutura precária e limitações ao acesso a serviços básicos, configurando um quadro de apartheid segundo diversas organizações internacionais.
O conflito entre Rússia e Ucrânia, intensificado pela invasão russa em 2022, combina elementos étnico-nacionalistas com uma disputa geopolítica pela influência no leste europeu. A alegação russa de proteger as populações russófonas em regiões como Donetsk e Luhansk foi utilizada como justificativa para ações militares que desencadearam uma guerra de larga escala, com graves consequências humanitárias. Milhares de civis morreram ou foram deslocados, e cidades inteiras foram destruídas. Além da questão étnica, o confronto reflete disputas de poder entre blocos políticos e militares, com forte envolvimento da OTAN e da União Europeia.
Na Ásia Meridional, a disputa entre Índia e Paquistão pela Caxemira remonta à partilha do território britânico em 1947 e persiste como uma das principais tensões geopolíticas do continente. A Caxemira, de maioria muçulmana, permanece sob disputa, com parte administrada pela Índia e outra pelo Paquistão, além de uma pequena fração controlada pela China. A região é altamente militarizada e palco de constantes confrontos entre forças militares e civis, incluindo denúncias de violações de direitos humanos, repressão violenta de protestos e cerceamento de liberdades civis. Além disso, o risco de escalada nuclear entre os dois países torna esse conflito particularmente sensível no cenário internacional.
Esses exemplos demonstram como o racismo e a intolerância étnica continuam a gerar conflitos armados, deslocamentos forçados e violações sistemáticas de direitos humanos ao redor do globo.
Movimentos sociais e resistência no Brasil
No Brasil, casos recentes como os ataques a comunidades quilombolas e as tentativas de remoção de povos indígenas em territórios urbanos evidenciam os conflitos interétnicos contemporâneos, que expressam a permanência de lógicas coloniais na estrutura social brasileira. Essas ações não ocorrem de maneira isolada, mas são sustentadas por um histórico de invisibilização dessas populações nos processos decisórios políticos e econômicos, refletindo a exclusão sistemática promovida pelo Estado e pela sociedade dominante. Além disso, há uma intensificação da pressão sobre os territórios tradicionais devido à expansão do agronegócio, da mineração e de grandes empreendimentos que, muitas vezes, contam com o respaldo legal e institucional para avançar sobre áreas protegidas.
Essas situações são frequentemente acompanhadas por um discurso midiático que deslegitima as pautas desses povos, criminaliza suas lideranças e minimiza a gravidade das violações. A cobertura dos grandes meios de comunicação tende a reforçar estigmas, apresentando as lutas desses grupos como obstáculos ao progresso econômico ou associando suas demandas à violência e à ilegalidade. Esse tipo de narrativa contribui para fortalecer o preconceito social e a resistência à implementação de políticas reparatórias.
Apesar disso, os movimentos sociais negros e indígenas têm protagonizado lutas históricas por reconhecimento, justiça e reparação, como apontam estudos de Sueli Carneiro (2003) e João Pacheco de Oliveira (2016). Essas lutas se manifestam por meio de ocupações, marchas, produção de conhecimento acadêmico e artístico, e articulações internacionais que pressionam o Estado brasileiro por mudanças estruturais. Muitas dessas iniciativas estão associadas a redes de educação popular, organizações não governamentais e universidades que atuam em parceria com lideranças comunitárias.
Essas lutas vêm ganhando cada vez mais visibilidade nacional e internacional, influenciando políticas públicas e a produção acadêmica. A inclusão de saberes tradicionais nos espaços formais de ensino, a promoção de leis de cotas raciais, e o fortalecimento da autodeterminação dos povos originários e das comunidades quilombolas são algumas das conquistas oriundas dessas mobilizações. No entanto, o avanço dessas pautas ainda enfrenta barreiras significativas, exigindo continuidade na mobilização social, no diálogo intercultural e no compromisso das instituições com a equidade racial e a justiça histórica.
Nesse contexto, a educação assume papel fundamental na desconstrução de estereótipos e na promoção de uma consciência antirracista. A implementação da Lei 10.639/2003 e da Lei 11.645/2008 representa avanço legal importante, mas ainda há resistências institucionais à inserção de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares. Além disso, muitos professores ainda não se sentem preparados ou respaldados para abordar essas temáticas, revelando a urgência de formação continuada e de materiais didáticos que valorizem a diversidade e a pluralidade.
Dessa forma, compreender o racismo como estrutura é reconhecer que a desigualdade racial não é um desvio pontual, mas parte constitutiva da organização social brasileira. Combater esse modelo exige políticas públicas reparatórias, formação docente crítica, mobilização popular e uma educação comprometida com os princípios da equidade e da justiça social. Também é essencial o engajamento das universidades, dos meios de comunicação, das igrejas e da sociedade civil na construção de uma cultura de paz e respeito às diferenças étnico-raciais.
Referências:
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2018. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/4mEsihY>.
CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2003. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/43XnP2E>.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Comitê de Eliminação da Discriminação Racial da ONU. Genebra: ONU, 2002.
DE WAAL, Alex. War in Darfur and the Search for Peace. Cambridge: Harvard University Press, 2007. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/3ZE3Gw0>.
GANGULY, Sumit. The Kashmir Conflict: Why It Defies Resolution. Foreign Affairs, 2019.
HRW. World Report 2023. Human Rights Watch, 2023. Disponível em: https://www.hrw.org/world-report/2023
IBGE. Estatísticas sociais do Brasil: uma análise dos indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: [https://www.ibge.gov.br/]. Acesso em: 26 maio 2025.
KHALIDI, Rashid. The Hundred Years' War on Palestine. New York: Metropolitan Books, 2020. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/3SwqsSM>.
OLIVEIRA, João Pacheco de. Ensaios em antropologia histórica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/4kj9QK9>.
PRUNIER, Gérard. The Rwanda Crisis: History of a Genocide. New York: Columbia University Press, 1997. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/3SwqFp2>.
ROBINSON, Cedric J. Marxismo Negro: A Criação da Tradição Radical Negra. Editora Perspectiva, 2023. Adquira o livro na Amazon <https://amzn.to/4jxT2hz>.